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FTV FASHION TELEVISION – ROBYN BROOKS DE HIGH FIDELITY

High Fidelity pode ter sido cancelada após uma única (e cativante) temporada, mas o legado musical da série e os looks vintage de Rob viverão para sempre. Vem com a gente conferir os detalhes dessa curta porém flamejante jornada sobre heartbreaks, camisetas de banda, discos de vinil e muito mais.

Ok, para início de conversa, High Fidelity não merecia ter sido cancelada at all, muito menos após sua única temporada fazer um sucesso estrondoso entre os fãs de televisão, cinema, literatura, moda e música. A série, que é um presente para os amantes da arte, é estrelada por Zoë Kravitz, e sua narrativa é baseada no livro do autor britânico Nick Hornby, publicado em 1995. A obra literária foi um sucesso de vendas, e gerou, antes da série com Kravitz, uma obra cinematográfica clássica dos anos 2000. O filme, cujo título é o mesmo do livro e da série, é estrelado por John Cusack, Jack Black e Lisa Bonet (sim, a mãe de Zoë Kravitz na vida real), e traz como protagonista o dono de uma loja de discos de vinil. E Rob Gordon, nosso protagonista, além de colecionar discos, também coleciona relacionamentos amorosos fracassados e uma excêntrica personalidade. Após ser deixado por mais uma namorada, Rob resolve revisitar seus mais marcantes relacionamentos do passado em busca de uma resposta para o alto nível de namoros fracassados que ele empilha junto aos seus discos na sala de casa. E no reboot de 2020, Zoë Kravitz chega trazendo um diferencial: a representatividade. Sim, porque enquanto o Rob de Cusack era homem, branco e mantinha apenas relacionamentos com o sexo oposto, a Rob de Kravitz é mulher, negra e bissexual. Mas, claro, as duas produções têm muitas similaridades, já que ambos protagonistas quebram a quarta parede e falam diretamente com o espectador, revivem seus relacionamentos passados, colecionam corações partidos e são proprietários de uma loja de discos, com a única diferença sendo a localização, já que a versão cinematográfica se passa em Chicago e a versão televisiva se passa especificamente no bairro Crown Heights, no Brooklyn (New York). E a Rob de Kravitz não deixa de fazer uma homenagem fashionista ao Rob de Cusack, usando a mesma camiseta vintage da Dickies que ele exibe no filme.

Mas, além da narrativa fascinante que Robyn Brooks, ou Rob para os íntimos que conversam com ela por meio da quebra da quarta parede, nos conta ao longo dos 10 episódios da série, outros dois fatores da produção se tornaram alvos de fascínio do público: o figurino e a trilha sonora. Rob é uma mulher de personalidade forte, e apesar de exibir características modernas e ‘pra frentex‘, seu guarda-roupas é repleto de peças vintage. Camisetas antigas de banda, calças xadrez, Vans sutilmente sujos, saias plissadas, blusas evidentemente usadas e desgastadas (e até mesmo com enormes manchas de café).

Uma característica chamativa do figurino de Rob é a mistura de peças românticas (tons pastéis, cardigans de tricot, estampa florida, borboletas, saias rodadas, scrunchies segurando seu longo rabo de cavalo) com peças que remetem ao estilo grunge (coturnos, camisas e vestidos de estampa xadrez, maxi t-shirts, sneakers). Rob parece ter a casca dura por fora, com seus looks ousados, dezenas de tatuagens espalhadas pelo corpo e um baseado sempre em mãos, mas em seu interior, a personagem é frágil, romântica e, às vezes, até inocente. Por isso o trabalho de figurino da produção de High Fidelity em parceria com a própria Zoë Kravitz é tão relevante, ele reflete a personalidade da protagonista.

E além de observarmos os looks de Rob no seu dia-a-dia comandando a Championship Vinyl Records, nós também temos acesso aos outfits que Rob usa quando está sozinha em casa conversando conosco, e seus outfits de rolês, já que a gata também se mostra uma ótima DJ e uma assídua frequentadora de bares. Um fato sobre Rob é que ela ama uma loungewear, aparecendo diversas vezes com robes, calças de seda e cetim, camisetas larguinhas, pijamas, underwear, regatas, meias de cano alto e chinelos (sempre acompanhados de um baseado e uma taça de vinho).

Mas se engana quem pensa que por trás dos looks desleixados‘ de Rob não existe um figurino repleto de etiquetas das maiores grifes do mundo misturadas à tais peças vintage de brechó. Entre alguns exemplos, Kravitz veste uma regata City Scape Mesh da Jean Paul Gaultier tanto em um flashback quanto no presente enquanto fala ao telefone (ênfase em telefone, afinal, é um telefone com fio). E combinando com a blusa alaranjada Gautier, Rob exibe uma calça xadrez Maison Margiela que contrasta com os Vans Old Skool sujos e desgastados que ela tem nos pés. E lembram quando mencionamos o quanto a Rob ama roupas confortáveis? Um exemplo é a combinação de band t-shirt com calças verdes de cetim, que tem uma vibe grunge loungewear, e a combinação de jaqueta jeans vintage com um par de calças baby peach também de cetim, mas dessa vez dando um ar mais romântico ao look.

E os looks de rolê por NYC da Rob não ficam para trás, já que a gata mistura croppeds coloridos (o com estampa de borboleta que ela veste na foto acima nos lembra muito as peças da coleção de Outono de 1991 da grife Alaia), jaquetas de couro, trenchcoats, jaquetas puffer, botas de cano médio, muito mom jeans, cintura alta e acessórios sempre dourados complementando tudo. E outra coisa que a Rob é uma fã de carteirinha e fez com que nós fossemos também? Camisas havaianas. E aparentemente, de acordo com a figurinista da série, Sarah Laux, as camisas havaianas não foram colocadas em tantas cenas de propósito.

Em uma entrevista para a edição online da Harper’s Bazaar, Laux contou que se juntou com a própria Zoë Kravitz para criar o estilo de Rob, e as duas compartilharam muitas idas à brechós e até mesmo ao closet pessoal de Kravitz.

“Um dia eu percebi que a gente tinha uma tonelada de camisas havaianas, e foi meio que por acidente. Eu acho que o acidente meio que ocorreu porque Zoë e eu simplesmente as amamos muito”.

Sarah Laux também mencionou durante a entrevista que 90 por cento das peças que vemos Rob usar na série são, de fato, vintage, já que Zoë Kravitz é uma amante de brechós e roupas antigas. A figurinista também revelou que foi ideia de Kravitz manter o closet de roupas de Rob bem enxuto, já que ela é uma garota nova iorquina sem muito dinheiro. E o jeito desleixado cool de Rob? Também foi proposital e uma escolha da atriz, que queria que as roupas refletissem a personalidade da personagem, que não era nada certinha.

E apesar da série se passar nos dias atuais (em 2020, no caso), o estilo vintage da Rob é uma grande homenagem aos anos 90, talvez um ode à obra literária, que foi publicada em 1995? Não sabemos. Mas o que sabemos é quais foram as inspirações fashionistas da década de 90 que Laux e Kravitz escolheram dentre muitas. A figurinista contou:

“Foi muito como uma homenagem à Kurt Cobain, Drew Barrymore, Winona Ryder, e até mesmo algumas peças que Liv Tyler usa em Empire Records, ícones da cultura jovem, coisas relacionadas à música”.

Ao ser questionada sobre as suas partes preferidas do figurino de Rob, Sarah Laux relevou que sua lista inclui as botas plataforma, os casacos de couro, as camisas e camisetas vindas do closet de Kravitz, e o fato de tudo ser vintage de verdade. Mas os fãs do guarda-roupa da personagem vão ter dificuldade em encontrar peças iguais às que ela exibe na série. As botas plataforma, por exemplo, ‘não existem’ já que foram baseadas em um par de Helmut Lang que Zoë possui, e a recriação delas foi feita especialmente para a série por um sapateiro britânico (o par de botas Helmut Lang que serviu de base está esgotado em todas as lojas físicas e virtuais desde que Kravitz as divulgou). Os casacos de couro são uma representação de armadura, algo que protege a frágil Robyn Brooks do mundo e são uma ode direta ao casaco de couro preto que John Cusack usa no filme de 2000. O protótipo de uma das jaquetas de Rob, inclusive, foi feito com base em um casaco Banana Republic que uma amiga (também figurinista) de Laux possuía.

E algumas das peças que saíram direto do guarda-roupas de Zoë Kravitz herself foram o robe estampado que Rob sempre usa em casa, a camisa havaiana verde que aparece tanto nas fotos promocionais da série (surpreendentemente combinando com um shorts de poá e botas plataforma) e durante a própria série (combinada com uma regata branca, um belíssimo par de calças lilás e loafers nos pés), as inúmeras camisetas de banda como as do Wu-Tang Clan, David Bowie e Beastie Boys, e o nosso item preferido: a mini saia plissada Saint Laurent. O restante das maxi t-shirts que Rob exibe ao longo da série e outras peças foram garimpadas de brechós em NYC como Goodwill, Manhattan Vintage, Resurrection, Beacon’s Closet, Buffalo Exchange e Forty Five Ten. A figurinista Sarah Laux revelou que a icônica regata longa com o rosto de Bob Marley estampado foi garimpada em um brechó em Nashville (Tennessee).

E como a série gira em torno do cenário musical, e cada música possui um significado na vida de Rob (memórias, amor, términos, sexo, trabalho, descanso, histórias, amigos, ex-amores, atuais amores, etc), é claro que não podíamos deixar de falar sobre essa incrível curadoria musical. A trilha sonora que embala a série e a jornada de autoconhecimento que Robyn Brooks nos conta também teve muita influência de Zoë Kravitz, já que a gata é filha do rockstar Lenny Kravitz e ela mesma comanda a banda de eletropop e R&B LOLAWOLF junto com o produtor musical e baterista Jimmy Giannopoulos desde 2014. A curadoria musical da série conta com nomes como Fleetwood Mac, Prince, David Bowie, Notorious B.I.G, Outkast. Blondie, Frank Ocean, Marvin Gaye, Frank Zappa, Aretha Franklin, Grateful Dead, Beastie Boys, Jimi Hendrix, Nina Simone e muito mais. E além dos nomes de peso citados acima, a trilha sonora também conta com uma velha guarda de peso (aliás, de carga máxima) de artistas brasileiros como Os Mutantes e Serguei. É impossível numerar a quantidade de música boa que nos é dada de presente por essa série, mas é possível apreciar o quão eclética e representativa a sonoridade de High Fidelity é.

Infelizmente não somos donos da Championship Vinyl Records e não temos como colocar toda essa mistura sonora maravilhosa para tocar em uma vitrola para vocês. E apesar de não existir comparação entre o som do bom e velho vinil e o som dos serviços de streaming de música, vamos deixar aqui a playlist oficial feita pela produção de High Fidelity no Spotify.

Rest in Power, High Fidelity. E vida longa à fashionista Robyn Brooks.

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FTV – FASHION TELEVISION – MEGAN DRAPER DE MAD MEN

De modelo fotográfica francesa à secretária nova iorquina na agência de publicidade Sterling Cooper. De amante de um dos maiores anti-heróis de Hollywood à aspirante a atriz de comerciais e novelas norte-americanos. Da luxuosa moda da década de 60 até a moda hippie do início dos anos 70. Da solteira, livre e artística Megan Calvet à esposa troféu Megan Draper. Vem com a gente conferir a evolução do figurino de uma das mais fashionistas personagens da história da televisão no FTV de hoje.

MAD MEN, UMA SÉRIE COLECIONADORA DE PRÊMIOS

A criação de Matthew Weiner não se mostra modesta em momento algum. Se algumas séries de televisão têm seus episódios piloto baseados em orçamento baixo, Mad Men nos entrega o oposto. Já na primeira temporada podemos notar o quão ambiciosa a produção é, com impecáveis ambientações e decor, glamurosos e autênticos figurinos, deslumbrantes maquiagens e uma fotografia de encher os olhos de qualquer amante da arte. E o roteiro não fica para trás. Ambientada nas caóticas agências de publicidade da Madison Avenue em New York, a trama explora o cotidiano dos funcionários e investidores da Sterling Cooper, mais uma das muitas empresas publicitárias que residiam na famosa avenida. A ambição da série é notável quando você entende que se trata de um drama ambientado na década de 1960 onde os Mad Men (agentes publicitarios da Madison Avenue), eram quase como rockstars. A série, que foi ao ar entre 2007 e 2015, nos levou por uma jornada de exatamente uma década, pelos governos de Kennedy, Johnson e Nixon, pelo conservadorismo sessentista chegando ao Summer of Love do início da década de 1970, onde oficialmente nos despedimos dos personagens. A agridoce despedida tem como trilha sonora o famoso (e verdadeiro) comercial da Coca-ColaI’d Like to Buy the World a Coke” (1971), que ganha um novo significado ao ser criado pelo anti-herói fictício Don Draper, o protagonista da série.

E como mencionado anteriormente, a criação da mente de Matthew Weiner tomou forma perfeitamente quando se pensa em arquitetura da época, decoração de casas e escritórios com os mais high fashion móveis, quadros de pintores espetaculares como Rothko e objetos que te transportam direto para uma era que você talvez não tenha vivido e mesmo assim sente-se nostálgico quando vê ganhando vida na tela da sua televisão de LED. Máquinas de escrever de todas as cores, telefones acoplados à paredes decoradas com papel florido, câmeras fotográficas analógicas. Mad Men foi revolucionária quando se fala em qualidade de produção e fotografia. Os takes, por exemplo, eram feitos apenas no estilo de filmagem traveling (câmeras que se movimentam por trilhos), e o cenário foi construído especificamente para abrigar perfeitamente esse tipo de filmagem. O criador, Matthew Weiner juntamente com os diretores de fotografia e arte da série, Phil Abraham e Dan Bishop acreditavam que essa seria a maneira mais fiel de incorporar a época em que se passava a trama. Além disso, muitas das cenas (especialmente as que se passavam dentro do escritório da Sterling Cooper), eram filmadas abaixo da linha do olhar, para que o teto cenográfico coubesse no enquadramento. O propósito da técnica era refletir a arquitetura, a fotografia e o senso estético daquele período da história.

DE MEGAN CALVET À MEGAN DRAPER

Megan Calvet é uma modelo e aspirante à atriz quando é contratada pela Sterling Cooper (na época já renomeada SCDP – Sterling Cooper Draper Pryce) para o cargo de secretária. Estamos na metade da década de 60, e Megan exibe um visual típico feminino da época, como coques altos encharcados de laque, salto alto, camisas combinadas com saias mid lenght, pérolas, batons em tons de coral e bochechas rosadas de blush. Fora do horário de trabalho, vemos que Megan, ainda que adepta das tendências de moda da época, também é uma mulher moderna em comparação com as outras personagens femininas da série. Megan usa calças, coletes, estampa xadrez, cabelo solto, mini saia, maxi sunglasses, botas de cano alto, lenços estampados, cabelo chanel, e apesar da elegância que exala, também mostra-se mais descontraída do que quando está em office hours. Megan é o que chamamos de uma verdadeira Cool Girl, que ao mesmo tempo que tem os maneirismos de uma dama, fala francês e é modelo, também é uma tomboy que gosta de experimentar coisas novas, sair à noite pra curtir, andar descalça, dançar livremente, viajar, e aprender cada vez mais elementos que agreguem à sua carreira. Megan não faz o tipo housewife que era tão comum naquela década, não cozinhava, não esperava ser sustentada por um marido, além de amar andar com pessoas do meio artístico, como os hipsters e beatniks. Megan não demonstrava pré-julgamentos em relação à nada novo que aparecia em seu caminho.

Conforme seu tempo na SCDP vai se alongando, Megan vai se desinteressando no trabalho de secretária e passa a demonstrar interesse em aprender o que Don Draper e seus companheiros de trabalho fazem, e pede à Don que a deixe observar os bastidores da magia da publicidade nos (muitos) momentos em que ele ficava no escritório trabalhando até a madrugada. Em paralelo à esse fascínio que a personagem começa a despertar em nós expectadores, Megan também desperta o fascínio de Joyce Ramsay, uma fotógrafa da renomada revista Life. O caminho das duas se cruza já que Joyce trabalha no mesmo edifício que a agência de publicidade que nós acompanhamos diariamente, e também frequenta a mesma por ter uma amizade com a personagem de Elizabeth Moss, a querida do público, Peggy Olsen. Megan, como uma verdadeira Cool Girl, adora se juntar à uma entourage de artistas, e também passa a chamar cada vez mais atenção na empresa quando, durante uma pesquisa sobre beleza oferecida por uma marca de cosméticos cliente da SCDP, revela alguns de seus simples segredos de beleza e cuidado com a pele. Como ela mesma diz, ela sabe das coisas porque é de origem francesa.

E por ter uma beleza fora do comum, um estilo impecável, uma doçura na forma de se comunicar, uma gentileza fácil com crianças, uma sede de aprendizado e muito bom humor, Megan Calvet passa a deixar todos os homens e mulheres do escritório encantados. Mas aqui o nosso foco é falar do homem que ouviu o canto de sereia de Megan e foi arrebatado imediatamente, Don Draper. O nosso protagonista demonstra desde o início da série, características evidentes de um anti-herói (talvez porque o criador da série, Matthew Weiner anteriormente atuou como produtor de uma série que criou o modelo de protagonista antagônico, The Sopranos). Don é casado, tem dois filhos com sua esposa e uma casa de cerca branca no subúrbio, bem distante da sua vida de Mad Men na caótica New York. A distância que ele cria entre a sua vida familiar e o resto de sua vida (íntima, pessoal e profissional) permite que Don tenha a liberdade de começar e terminar inúmeros affairs com os mais diferentes tipos de mulheres. Mas de todas as mulheres que cruzam suas jornadas com as de Don, apenas uma o fascinou o suficiente para que ele se divorciasse da primeira esposa e rapidamente pedisse a mão da segunda em casamento. Essa mulher foi Megan Calvet, ou melhor, Megan Draper, como passou a ser chamada após casar-se com Don.

De todos os modelos de mulheres com quem Don escolhia se relacionar romanticamente, nós sabemos que as que mais eram objeto de seu desejo e paixão eram as morenas. Mais especificamente, as morenas que carregavam uma extensa bagagem de segredos, inseguranças, mistérios e problemas. Essas eram as verdadeiras mulheres da vida de Don, quando se para para refletir sobre a relevância de cada uma de suas amantes, amigas, e até sua própria mãe por quem ele tinha um fascínio escondido, já que era uma jovem prostituta que morreu ao dar a luz à ele. Por alguma razão, Megan não se encaixava nem no perfil da morena melancólica e nem no perfil da primeira esposa de Don, Betty Draper, que era uma mulher conservadora, recatada, preconceituosa, e muito, mas muito loira. Megan Draper era sim uma mulher de cabelos escuros mas não carregava nada de tristeza e insegurança consigo, pelo contrário, era uma mulher ativa, trabalhadora, descontraída, divertida, espontânea, care free. Megan era a antítese de Betty e foi isso que atraiu a atenção de Don, que passou a viver de forma menos penosa quando Megan entrou em sua vida. Don e Megan Draper formaram um verdadeiro power couple, trabalhando juntos na SCDP (com Megan recebendo uma promoção à copy writer), viajando, oferecendo festas em sua charmosa e moderna cobertura.

UMA ESTRELA EM ASCENSÃO EM UMA LUXUOSA COBERTURA EM NYC

Em contrate com os ternos sóbrios de Don durante toda a série, Megan está sempre atenta às recém chegadas tendências de moda, de maquiagem e de comportamento. Ela sabe como dar uma festa, como fumar maconha, como usar e abusar de makes coloridas, micro vestidos e apliques de cabelo. Ao casar-se com Don, a modelo vai na contramão do que era comum na época, e passa a vestir-se cada vez mais glamurosa e sensualmente. Megan Draper não era uma mulher com medo de se arriscar, de passar vergonha, e de ser quem ela era. Estava sempre usando belas joias, estampas longe do minimalismo, e exibindo outfits em cores vibrantes (como ela).

E quanto mais adentrava o mundo luxuoso do marido, e mais se aproximava do sucesso na carreira de atriz, Megan ia ousando cada vez mais nas escolhas de looks, lingeries, e penteados de cabelo. Megan Draper estava trilhando um caminho muito conhecido para os amantes de moda (e de Hollywood), a jornada da It Girl. Como estava sempre à frente de seu tempo, farreava ao lado de outros artistas, estrelava em comerciais de televisão e novelas de drama, morava em uma cobertura luxuosa que ficava em meio ao caos de New York e não carregava consigo o pudor exagerado das conservadoras mulheres norte-americanas (Megan era filha de franceses e nasceu em Montreal, no Canadá), o distintivo de It Girl vinha com facilidade para ela. Ela sabia o que estava em alta, sabia o que vestir para qualquer situação e adentrava cada vez mais o estilo de vida hollywoodiano.

A POLÊMICA CAMISETA DE ESTRELA E AS TEORIAS DA CONSPIRAÇÃO

Quando adentramos, junto aos personagens da série, o ano de 1968, começamos a notar uma tensão no ar que parece se espalhar por todo o país. Após observarmos os assassinatos de John e Bob Kennedy ao longo da série, o aumento de violência nas ruas e metrôs de New York, as rebeliões e protestos que cresciam a cada dia mais, e então o estopim, o assassinato do líder do movimento dos direitos civis, Martin Luther King Jr, passamos a observar os personagens lentamente entrando em um estado de histeria. Megan demonstra preocupação com o aumento do barulho de sirenes que chega até a cobertura dos Draper todas as noites, e o apartamento do casal até mesmo é invadido em outro momento. E para os espectadores especialistas em bastidores sombrios de Hollywood, a tensão também ia aumentando a cada episódio, já que um chocante e horrível episódio na história estadunidense estava próximo de acontecer. O caso da qual estamos falando é o episódio dos assasinatos Tate-Labianca, que apesar de ocorrerem na California, assombraram os EUA por completo (leia mais sobre nesse outro artigo da SXSD).

Para aumentar a preocupação dos fãs de Mad Men, Megan é vista durante 1968 vestindo uma combinação de camiseta branca com uma grande estrela vermelha no centro e uma calcinha branca rendada. A combinação pode passar batido para alguns, mas foi muito bem observada por fãs da série que começaram a postar teorias sobre o figurino em questão no aplicativo Reddit. Acontece que a junção da camiseta estrelada com apenas uma calcinha por baixo foi exatamente o figurino que a atriz Sharon Tate usou em um ensaio fotográfico para a revista Esquire em 1967, em uma tentativa de emular a estrela presente no centro da bandeira do Vietnã. Tate, que era uma jovem atriz em ascensão quando fotografada usando esse look, posou para as fotos dois anos antes de ser brutalmente assassinada por membros de uma seita (Família Manson) enquanto estava grávida de 8 meses do marido, o cineasta Roman Polanski.

Espectadores do mundo todo passaram a notar as semelhanças entre Sharon Tate e Megan Draper, já que ambas eram jovens atrizes em ascensão, ambas eram cerca de 10 anos mais novas do que seus maridos, e ambas passavam muito tempo sozinhas em casa sem os seus companheiros. Criou-se assim a teoria de que Megan poderia ser uma representação de Sharon no universo de Mad Men, já que a aspirante à atriz começa a fazer sucesso e até mesmo muda-se para a California. Outros menores fatores narrativos da série que remetiam ao crime que aconteceu em Agosto de 1969, também não passaram desapercebidos, como por exemplo, a personagem Peggy acidentalmente esfaqueando seu namorado Abe (resultando em uma imagem similar à estampa da camiseta de Sharon), Sally Draper lendo o livro Rosemary’s Baby (que em 1968 tornou-se um filme, dirigido por ninguém mais ninguém menos do que Roman Polanski), e Megan ter ficado grávida de Don (mais tarde é revelado que ela sofreu um aborto). Na cena em que Megan usa o famoso look, ela está sozinha e vulnerável (o outfit ‘desleixado’ serve como uma representação dessa fragilidade) na varanda de seu apartamento, enquanto reflete sobre dar um ultimato à Don, já que os dois vinham se desentendendo à algum tempo. A solidão feminina ali representada automaticamente nos leva a pensar em Sharon Tate trajando uma camisola e preparando-se para dormir em sua casa na rua Cielo Drive, número 10050 (Los Angeles, California), momentos antes de ser assassinada.

Assim que a cena de Megan foi exibida em rede nacional, a filha do fotógrafo responsável pelo photoshoot de Tate para a Esquire em 67, contatou imediatamente à figurinista de Mad Men, Janie Bryant, via Twitter para perguntar se a camiseta com a estrela vermelha era proposital ou apenas mera coincidência. Bryant foi sucinta em sua resposta, afirmando apenas que não se tratava de uma coincidência. Não muito tempo depois, a atriz Jessica Paré (interprete de Megan na série), também foi questionada sobre a teoria da conspiração durante uma entrevista (coincidência ou não) para a mesma revista Esquire. A atriz revelou apenas que durante conversas com os figurinistas, foi tomada a decisão de colocar Megan em uma camiseta, o que não era nada comum em mulheres na década de 60, para representar a personalidade ‘pra frentex‘ da personagem mas também deixa-la com um ar extremamente casual, de quem está em casa sozinha, vulnerável e à espera do marido para que eles pudessem discutir a relação que estava em frangalhos. Jessica Paré admitiu que ao saírem em busca de uma camiseta para a cena, houve uma pesquisa sobre mulheres da época trajando esse tipo de look, e ao encontrarem a icônica camiseta branca e vermelha em uma loja de fantasias e figurinos, a foto de Sharon Tate vestindo-a estava junto como referência.

Para completar a histeria dos fãs, quando foi revelado o pôster de divulgação da temporada seguinte (que se passa em 1969), podemos observar um sketch de Don vestido todo de preto, andando em direção aos espectadores enquanto segura a mão de uma mulher. Apenas a mão dificulta que possamos identificar a mulher, mas podemos ver pelo braço a manga bufante de seu vestido azul (um dos looks mais icônicos de Megan durante a série). Atrás dessa versão sóbria de Don Draper, podemos ver uma outra versão do protagonista, agora trajando um terno cinza, com sua típica maleta do trabalho em mãos, andando na direção oposta aos telespectadores e direcionando-se à um grupo de policiais no que parece ser uma cena de crime.

A INFLUÊNCIA CALIFORNIANA E O SUMMER OF LOVE

Megan e Don acabam se separando enquanto avançamos às narrativas finais da série. Isso se dá por conta dos diferentes valores e visões de vida que os dois têm. Don é muito reservado, melancólico, assombrado por seu secreto passado, e é um homem conservador. Megan é a antítese, e apesar dessa vibe free spirit da personagem ter sido exatamente o que atraiu Don à ela, ele não conseguiu sustentar a ideia de passar o resto de sua vida com uma mulher tão moderna, que queria viver na California, ir à festas e adentrar cada vez mais a bolha hollywoodiana. E quando Megan Draper volta a ser Megan Calvet e muda-se para a California de vez, podemos observar claramente as influências de Los Angeles e do movimento Flower Power/Hippie em seu figurino. Megan passa a morar rodeada de natureza em um canto montanhoso de L.A, em uma casa simples e moderna em que ela curte muitas festas ao lado dos amigos artistas. E aquela vibe do Summer of Love se espalha pelo ar, contaminando aos telespectadores, e até mesmo chegando a atingir alguns dos personagens na caótica New York.

Megan sempre foi a personagem feminina responsável por trazer às nossas telas a parte hipster e moderna dos jovens de 20 e poucos anos nos EUA. Seu figurino era o mais ousado e menos antiquado em todas as temporadas, porém é especialmente no ensaio fotográfico para a divulgação da última temporada de Mad Men que essa afirmação torna-se mais evidente. A temporada final da série aborda o final dos anos de 69 e o início da década de 70 com a chegada do movimento Hippie, normalização da nudez, festivais de música, drogas psicodélicas criadas em laboratórios e uma mudança drástica no mundo da moda. Como é possível observar nas fotos de divulgação, Megan é a única personagem feminina a vestir-se como uma mulher da década de 70, exibindo uma barriga de fora graças à um conjunto de blusa cropped e calças boca de sino, cabelos longos e rebeldes e sandálias sem salto.

O figurino de Megan a partir de então passa a trazer muitas referências à moda setentista (especialmente a moda Bohemian e Hippie). Anéis coloridos, sandálias rasteirinhas, vestidos longos e soltinhos, estampas florais, cabelos compridos e delicadamente desgrenhados, coletes, maquiagem natural, headbands, belly chains, brincos de argola, esmalte escuro ou preto, batas, e calças flare. E claro, muita barriga de fora, mini dresses e braceletes. E podemos notar pelo pôster de divulgação da última temporada da série, que a jornada para os psicodélicos setentistas já estava planejada e escancarada.

E é com o maravilhoso closet de roupas setentistas que vemos Megan Calvet, ou Megan Draper se preferir, pela última vez ao final da série. Não só o figurino da personagem de Jessica Paré (Megan) e de John Hamm (Don) se destacam, mas sim todo o trabalho da incrível figurinista Jaine Bryant, que soube incorporar as décadas de 60 e 70 como ninguém antes na televisão norte-americana. E muito além da curadoria de roupas vintage, móveis antigamente coloridos, e um trabalho de fotografia impecável, o roteiro de Matthew Weiner merece todos os prêmios que levou para casa. A 7 temporadas de Mad Men te levam por uma jornada repleta de fatos históricos verídicos, guerras, antissemitismo, adultério, crises econômicas, moda, racismo, comportamento, movimentos sociais, homofobia, política, e os bastidores de agências de publicidade, casamentos sem amor, machismo e misoginia escancarados, os efeitos de anos ingerindo álcool e nicotina e o antigo mundo do tabagismo glamuroso. E em meio à isso tudo, Weiner ainda nos leva em uma insana jornada pela vida e os mais sombrios pensamentos de Donald Draper (ou deveríamos chama-lo de Dick Whitman?).

Uma coisa é fato, o figurino e o design de interiores de Mad Men estão fadados à morar em nossas cabeças para sempre, Afinal. como esquecer das luminárias e quadros abstratos pendurados no escritório de Don Draper? Como se esquecer da moda desfilada por Megan, Joan, Betty, Peggy, e todas as outras personagens femininas? Como se esquecer da abertura que traz Donald Draper caindo vertiginosamente em meio à arranha céus feitos de outdoors de propaganda ao som instrumental de A Beautiful Mind? Como não se apaixonar pelas referências diretas à North by Northwest e Vertigo do cineasta Alfred Hitchcock e aos edifícios desenhados por Saul Bass? Como esquecer de uma série que conseguiu o raro feito de receber a permissão dos Beatles para usar a música Tomorrow Never Knows? E Don’t Think Twice It’s Alright de Bob Dylan tocando nos créditos da finale da primeira temporada mora de graça no meu coração e na minha mente. Mas quem realmente rouba a cena na série, é Megan Draper quando debuta na quinta temporada da série, trazendo ares mais modernos, fashionistas, feministas e uma vibe de espírito livre.

Pelas palavras da própria Megan Draper:

My God, you’re so square you’ve got corners.”

(Meu Deus, você é tão quadrado que ganhou quinas)

*Todas as imagens da série e dos cenários e bastidores são de domínio da produtora AMC. Imagem de Sharon Tate é de domínio da revista Esquire, e a capa de revista da atriz Jessica Paré é de domínio da Television New York.

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