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VOCÊ JÁ OUVIU FALAR? – CHATEAU MARMONT

Tatuagem no pulso de Lana Del Rey? Livro de Charles Bukowski? Filme de Sofia Coppola? Com cerca de 93 anos de existência, o infame hotel de luxo favorito da bolha de Hollywood parece acumular muito mais do que quase um século em polêmicas, mortes, segredos, affairs, brigas e mental breakdowns. De Led Zeppelin à Lindsay Lohan vamos embarcar em uma jornada insana pelos causos e curiosidades mais relevantes do castelo na Sunset Boulevard.

Construído em 1926 por Fred Horowitz, o oásis californiano traz um ar diferente das vibes tropicais dos icônicos hotéis e mansões dos arredores de Hollywood, como o Beverly Hills Hotel com seu famoso papel de parede de folhas de bananeira e enormes palmeiras. Com uma mistura de estilo gótico europeu (especialmente francês) e com a discrição de um apartamento de luxo em Manhattan, nasceu assim a combinação perfeita para os hollywoodianos: um lugar glamuroso porém secreto. E do momento em que o Chateau Marmont abriu suas portas ao público 3 anos após o início de sua construção até os dias atuais, o hotel tem sido muito mais do que um edifício: ele imediatamente criou vida própria e tornou-se um personagem importante da cultura norte-americana.

Logo nos anos iniciais de vida do hotel, Hollywood estava passando por mudanças drásticas (filmes silenciosos sendo substituídos pelos sonoros, por exemplo), que causavam um caos na bolsa de valores e a troca de uma leva inteira de artistas renomados por outros, considerados mais modernos. Com isso, Horowitz não conseguiu manter as contas luxuosas do Chateau em dia, e acabou vendendo o que, num futuro não tão distante, seria uma mina de ouro escondida em meio às colinas e áreas verdes da Sunset Strip. E entre ser um anfitrião da festa pós Oscar de Beyoncé e Jay-Z em 2018, abrigar fabulosos atores como Robert DeNiro e Paul Newman como moradores e até mesmo tornar-se protagonista de um livro documental escrito por Shawn Levy sobre seus segredos e seu legado histórico, é impossível escrever sobre todas as insanas narrativas que envolvem o castelo. Mas o autor também deixa claro que a obra é uma celebração da importância que o hotel teve, e ainda tem, na indústria cinematográfica, literária e musical.

Conhecido como o lugar onde estrelas mundiais vão para se esconder dos flashes dos paparazzi, o Chateau Marmont está há 9 décadas abrigando desde escritores em busca de silêncio e inspiração até rockstars e supermodels cujas after parties incluem música alta, drogas e destruição total das propriedades do hotel. Todos os tipos de artistas de Hollywood são bem vindos nesse oásis: vencedores do Oscar, subcelebridades vindas de reality shows, bad boys, artistas decadentes, grandes autores, brilhantes diretores de cinema e produtores de TV. Balada, motel, restaurante, set de filmagem e uma zona livre de membros do TMZ, esse é Chateau. E dentre as muitas histórias e boatos sobre moradores e hóspedes do castelo nas montanhas, alguns nomes como Bianca Jagger, Greta Garbo, Florence Welch, Drake, Drew Barrymore, Alicia Vikander, Britney Spears e Barbara Streisand aparecem casualmente. Foi no bangalô número 2 que Natalie Wood, James Dean e Dennis Hopper ensaiaram para seus papéis em Rebelde Sem Causa. Foi na suíte 36 que o renomado ator Montgomery Clift ficou hospedado após seu acidente de carro, aparecendo na varanda alguns dias depois. E entre as suítes 32 e 33 foi onde a musa Jean Harlow escolheu passar uma de suas 3 luas de mel.

O estacionamento subterrâneo, os elevadores secretos que saem direto do lobby às suítes luxuosas e o jardim coberto de grandes árvores e colinas são alguns dos cenários perfeitos para abrigar escândalos e segredos. Foi em frente à esse mesmo jardim, por exemplo, que o escritor F.Scott Fitzgerald (O Grande Gatsby, O Curioso Caso de Benjamin Button) sofreu um ataque cardíaco como resultado de anos de alcoolismo e um final decadente de sua carreira na literatura. Foi uma dessas discretas suítes que serviu de residência para uma Marylin Monroe em início de carreira. E se você pensou que dois dos maiores abrigos de polêmicos casos da cultura norte-americana não se cruzariam em algum momento dessa história, achou errado. Em 1969, a atriz Sharon Tate e o diretor de cinema Roman Polanski tinham como sua residência oficial o Chateau Marmont. Mas, ao descobrir que teriam um bebê, decidiram em conjunto alugar a fatídica mansão na Cielo Drive, onde meses mais tarde, Tate seria brutalmente assassinada pela seita Família Manson. Esse caso ocorreu apenas um ano depois que a banda Led Zeppelin se hospedou brevemente no hotel, deixando sua marca à la Sexo, Drogas e Rock’n’Roll, sendo responsáveis por festas barulhentas, transporte de garotas nuas via carrinhos de serviço do local, e claro, muitas voltas de Harley Davidson pelo saguão (agradeçam o baterista John Bonham por esse último item).

E já que estamos falando de rock, não podemos deixar de lembrar de outro rockstar que deixou sua marca durante sua passagem pelo Chateau: Jim Morrison. O vocalista do The Doors é lembrado até hoje por ter se pendurado e balançado pelas varandas do hotel em 1970, o que resultou em uma queda de dois andares e ferimentos graves. E um dos principais assuntos que acompanha as polêmicas do Chateau Marmont? Dívidas financeiras. Talvez o caso mais famoso de uma conta não paga por um artista seja o da atriz Lindsay Lohan, que escolheu o hotel como sua moradia oficial em 2012 mas após 2 meses de muitas festas e ensaios de fotos na suíte número 33, foi convidada à se retirar por não pagar pela estadia e pelas mordomias oferecidas pelo minibar. Lilo recebeu uma carta pedindo por sua retirada imediata após inúmeras tentativas do hotel de contata-la em busca de um acordo financeiro que cobrisse a conta de quase 46 mil dólares pendente. E algumas décadas antes, em 1984, o cantor Marvin Gaye foi assassinado por seu próprio pai, surpreendendo o mundo e deixando para trás uma dívida de US$ 15 mil nunca paga. E se você curte histórias de crimes reais, já deve ter assistido a polêmica série documental “Inventing Anna” (2022) da Netflix, que conta a saga de uma jovem golpista chamada Anna Sorkin. E é claro que entre os muitos calotes dados por Anna estava um golpe ao Chateau Marmont, né?

E sim, infelizmente o Chateau Marmont também adicionou mortes ao seu extenso curriculum de polêmicas, já que em 1982 o aclamado comediante John Belushi foi encontrado morto em seu bangalô no hotel. A morte precoce do artista foi causada por uma overdose, e o Chateau não foi capaz de conter o vazamento da notícia, resultando em inúmeras reportagens e fotografias do corpo do ator sendo levado embaixo de um lençol após mais uma de suas escandalosas festas regadas à entorpecentes. Desde então, o quarto onde tudo ocorreu tornou-se alvo de fascínio de outros artistas que eram fãs de Belushi e desejavam se hospedar onde o comediante deu seu último suspiro. Atores como Robert Downey Jr. e e John Cusack e artistas plásticos como Basquiat são alguns dos nomes que entram nessa lista de fãs fascinados. E falando em artistas que amavam festas regadas à drogas e rock’n’roll, não podemos deixar de lembrar que a cantora Courtney Love, viúva do astro do grunge e frontman do Nirvana, Kurt Cobain, já declarou que expulsou Peaches Geldof de sua suíte após a mesma lhe oferecer milhares de comprimidos ilegais quando Love estava tentando duramente ficar sóbria. A cantora costumava ser viciada em heroína mas estava sem fazer uso da substância desde os anos 90, e ficou decepcionada ao ver uma amiga tão jovem se render às drogas (Peaches, que era uma modelo e artista britânica morreu aos 25 anos por overdose assim como sua mãe, a famosa VJ da MTV, Paula Yates). O ator Heath Ledger também foi flagrado por câmeras de vídeo usando cocaína no nosso querido Jardim de Edén em 2006. Um ano depois, Britney Spears foi banida do hotel após agir de forma errática, esfregando comida em seu próprio rosto e corpo no restaurante de lá.

Na fatídica noite da morte de John Belushi, outros hóspedes de hotel ligaram para a recepção reclamando do barulho excessivo vindo do quarto de Billy Idol. Dizem os boatos que o artista estava correndo pelado pelos corredores após ter destruído totalmente sua suíte. E novamente falando sobre rockstars rebeldes, não poderíamos deixar de imediatamente lembrar de Axl Rose. O frontman do Guns’n’Roses foi visto saindo do Chateau ao lado da jovem cantora Lana Del Rey, aumentando ainda mais os boatos de que os dois estavam linkados romanticamente. Outra dupla poderosa de Hollywood que foi sexualmente linkada após uma suposta aparição caliente no Chateau Marmont? Os atores Benício Del Toro e Scarlett Johansson, que supostamente foram flagrados juntos em um dos elevadores do hotel após uma festa. Haja sexual energy nesse hotel que já ofereceu seus mais de 60 quartos para que Johnny Depp e Kate Moss pudessem transar loucamente.

E entre incontáveis histórias bizarras envolvendo o Chateau que ficarão nos livros de história e cultura norte-americana, é claro que o mesmo também deixou sua marca em obras de Hollywood, do cenário musical e da literatura. O glamuroso hotel serve como cenário para filmes como A Star is Born (2018), La La Land (2016) e Map to the Stars (2014). Talvez a obra cinematográfica que mais valorize o castelinho branco seja o longa Somewhere (2010) da aclamada diretora indie Sofia Coppola, que praticamente traz o hotel como personagem principal do drama sobre um hollywoodiano pai ausente e sua jovem filha tentando se conectar em meio ao verão californiano. E músicos como Machine Gun Kelly, Lana Del Rey, Miley Cyrus, Lily Allen e a banda Stone Temple Pilots são alguns dos muitos que já referenciaram o hotel em suas obras. Dizem até que a aclamada Hotel California, música do Eagles, seria sobre o secreto Chateau. Sem contar, é claro, as obras musicais clássicas que foram concebidas ou concretizadas dentro das paredes do hotel. Os vocais da música By The Way da banda Red Hot Chili Peppers, por exemplo, foram gravados lá. Obras de Gram Parsons, Grateful Dead, Death Grips, também. Obras literárias, cinematográficas e artísticas de Hunter S. Thompson, Tim Burton e Terry Richardson rolaram dentro do Chateau. E até mesmo o grande Charles Bukowski já referenciou o castelo branco em suas obras. Membros do Pink Floyd, The Rolling Stones e o guitarrista John Frusciante moraram, se hospedaram e farrearam por lá. A lista de incríveis artistas é tão extensa quanto a lista de polêmicas que o Chateau Marmont carrega nas costas. Não sabemos de todos os segredos que moram no coração do hotel californiano, mas pelo menos podemos adentrar as paredes do local por meio de fotos e vídeos. Confira abaixo uma mini tour pelo interior do marco hollywoodiano, além de aparições de Lana Del Rey performando e sendo entrevistada dentro do amado hotel:

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VOCÊ JÁ OUVIU FALAR? – HEROIN CHIC STYLE

O polêmico termo dá nome a uma bizarra mistura de moda e lifestyle cujas principais características dos adeptos eram as olheiras aparentes, cabelos sujos e bagunçados, androginia, magreza extrema e qualquer traço físico que remetesse ao uso de drogas, em especial, a heroína. De onde surgiu o conceito? Quando esteve em alta? Quem eram os adeptos? E o mais importante, a discussão sobre a linha tênue entre o que é expressão de estilo e o que é um sinal de alerta da sociedade para si própria.

A década de 80 popularizou algumas das maiores modelos de passarela da história, como Cindy Crawford e Claudia Schiffer. As estrelas dessa onda fashion eram mulheres magras mas voluptuosas, que vestiam roupas altamente coloridas e estampadas, muito neon, cabelo impecavelmente arrumado e que vendiam um lifestyle de “magreza como sinônimo de saúde”, incentivando exercício físico e dietas repletas de alimentos saudáveis (a famosa época da popularização das fitas cassete de ginástica para fazer em casa, protagonizadas por celebridades). Mas quando o mundo da moda menos esperava, uma adolescente rebelde e de estilo punk foi casualmente fotografada exibindo seu estilo ‘cool girl‘ em uma pista de dança, e sua foto foi parar nas mãos de grandes empresários do ramo fashion, fazendo com que a garota, a jovem norte-americana e filha de italianos, Gia Carangi, se tornasse o novo rosto da moda. Acontece que a rebel girl, apesar de esbanjar talento como modelo, em poucos anos caiu direto das capas de revistas renomadas ao anonimato total. O grande culpado da queda da estrela em ascensão foi o seu vício em heroína, droga que estava se popularizando naquela época, e que, por ser injetável, deixava marcas e feridas pelos corpos dos usuários. Gia não era mais convidada a desfilar ou posar para grandes fotógrafos (ou qualquer fotógrafo) por conta de suas visíveis marcas de injeção, e eventualmente, por sua fadiga que era causada majoritariamente pela mistura de seu vício em drogas e bebida com a doença de AIDS que a modelo contraiu devido ao uso contínuo de seringas comunitárias. Ao final da década de 80, Gia já havia sido levada pela doença, aos 26 anos de idade. Um filme sobre sua breve e selvagem vida foi feito em 1998, com Angelina Jolie no papel principal.

Gia Carangi é muitas vezes apontada como a pioneira do estilo Heroin Chic, já que exibia looks repletos de cores sóbrias, jaquetas de couro, olhos fundos tingidos de preto, cabelo desarrumado e estava sempre com um cigarro e um copo de bebida em mãos. Além de, claro, apresentar um vício em heroína. Apesar de sua vida, e carreira, terem sido terminadas tão rápido, Gia é até hoje apontada como a primeira Supermodel do mundo. Com a chegada dos anos 90, novos rostos estampavam as revistas de moda e exibiam seus catwalks pelas passarelas, mas com um novo, e radicalmente, diferente estilo do popular na década anterior. As Supermodels estavam em alta e eram cada vez mais esbeltas, de maneira visivelmente não saudável, e as cores sóbrias vieram como uma antítese às cores vibrantes dos anos 80. E foi nessa mesma época que movimentos culturais como o Grunge atingiram o público jovem em cheio, trazendo para dentro do mundo da moda a glamurização das drogas. A droga da qual estamos falando especificamente nesse artigo, a heroína, era considerada ate então uma droga nada glamurosa, já que além de envolver picadas de agulha pelos braços e pernas dos usuários, ainda foi uma das grandes responsáveis pela epidemia de AIDS nos EUA e Europa. Mas com novas versões da droga chegando ao ‘mercado’ norte-americano e britânico, onde os jovem podiam simplesmente inalar a substância, o estigma e a marginalização da heroína deram espaço para a ascensão dela entre os jovens de classe média alta.

E a nova droga do momento acompanhava, sem faltar, os músicos da era Grunge que estavam em crescente como os membros das bandas Nirvana, Pearl Jam, Smashing Pumpkins, Alice in Chains, Hole e Stone Temple Pilots. E também passou à acompanhar as topmodels mais desejadas e copiadas do mundo, como por exemplo, as maiores precursoras do Heroin Chic, a britânica Kate Moss, a belga Tanga Moreau e a estadunidense Jaime King. A cantora Fiona Apple também aderia ao estilo de vestir-se da polêmica trend. E a bolha de Hollywood também garantiu sua entrada na nova era fashion com atrizes como Chloë Sevigny e Angelina Jolie exibindo não apenas os looks mas também os vícios em entorpecentes. Quando se ligava a televisão ou ia ao cinema, era cada vez mais comum dar de cara com protagonistas fictícios viciados em drogas, afinal, os anos 90 nos trouxeram clássicos cinematográficos como Pulp Fiction, Kids, Girl Interrupted e Transpotting.

As passarelas e photoshoots foram tomados pela maquiagem apagada, o aspecto de ressaca de balada, os cabelos cheios de nós aparentes, o batom escuro borrado, os ossos expostos, o cigarro e a sujeira misturados inusitadamente à peças de roupas luxuosas como casacos e coletes de pele, bolsas de grife, jaquetas de couro, salto alto, e campanhas publicitárias para grifes de alta costura. Alguns dos ensaios fotográficos mais conhecidos por terem abordado de forma ‘glamurosa’ o Heroin Chic foram as dos perfumes da marca Calvin Klein em 1993. Os ensaios traziam estrelas como Kate Moss, Jaime King e Vincent Gallo.

E por trás das ‘musas’ do Heroin Chic, estavam os fotógrafos e artistas que ajudaram a criar esse conceito e torna-lo pop. Os principais nomes da cena são os da inglesa Corinne Day e o do italiano Davide Sorrenti, que fotografaram inúmeras vezes as modelos citadas acima, além de, eles próprios serem usuários de heroína. A criação do conceito de Heroin Chic em forma de editoriais de moda não era suficiente para os fotógrafos, que levaram o lifestyle perigoso para suas vidas pessoais, causando a morte precoce de Sorrenti aos 20 anos de idade por uma suposta overdose da ‘glamurosa’ droga. Com a morte do artista, em 1997, todos os billboards e as revistas cessaram, quase imediatamente, a exibição do estilo Heroin Chic. A fotógrafa de moda Francesca Sorrenti, mãe de Davide, alegou que o filho sofria de alguns problemas de saúde, e que uma quantidade muito pequena de heroína foi encontrada em seu sangue, mas que isso já foi suficiente para conectarem a morte do jovem à tal febre da heroína chic‘. Francesca declarou também “Isso é heroína. Isso não é chic. Isso tem que parar, essa heroin chic“. Após a morte do filho, Francesca juntou-se a outros nomes da moda e da fotografia para criar uma campanha contra as drogas. Sobre essa conquista e o legado do filho, ela declara “[…] salvou a vida de muitos jovens e acabou de vez com o heroin chic […] Esse é o seu legado, e é um dos bons.”

O controverso mas também muito querido fotógrafo foi celebrado em um documentário biográfico chamado See Know Evil, com fotos pessoais, relatos de familiares e amigos, filmagens caseiras de sua adolescência, e depoimentos de celebridades que passaram bastante tempo ao seu lado como a própria Jaime King, Mila Jovovich, e outros. O documentário é descrito como uma visão sem censura da vida e obra do fotografo fashion dos anos 90 e ícone cultural da juventude da época.

Já o outro nome que ajudou a dar vida ao Heroin Chic no mundo da fotografia e dos editoriais de revistas foi a britânica Corinne Day, que costumava trabalhar como modelo mas, em uma viagem a Ásia, acabou descobrindo sua paixão em ficar atrás das câmeras ao invés de a frente delas. A fotógrafa alcançou sucesso ao ser contratada pela revista conceitual The Face, e sua primeira (e mais marcante) musa escolhida foi uma ‘magricela‘ de ‘beleza crua‘, uma ainda desconhecida Kate Moss adolescente. A partir do lendário editorial de 1990 onde Kate aparece de topless, com um cocar na cabeça e sem maquiagem, os nomes das duas artistas foram direto ao topo da indústria da moda. Corinne Day foi a responsável por fotografar a primeira capa de Kate Moss para a Vogue Magazine em 1993, mas seu estilo de fotografia era mais ‘caseiro’ já que ela tinha uma paixão por fotografar pessoas conhecidas e amigos, e focar em exibir imperfeições corporais e o naturalismo da vida. A fotógrafa também clicou nomes como Linda Evangelista, Gisele Bündchen, Alexander McQueen e Kirsten Dunst.

A heroína era predominante da cidade de Seattle, que até mesmo foi classificada por Courtney Love como “a meca das drogas, onde a heroína é mais fácil de se obter do que em San Francisco ou Los Angeles“. A vocalista da banda grunge Hole sabe muito bem do que está falando, já que convivia diariamente com os membros da cena musical de lá, e inclusive foi casada com Kurt Cobain, vocalista da, hoje, mais conhecida representante do estilo grunge, a banda Nirvana. Grandes nomes da música da década de 90 como Kurt Cobain, Mike Starr (Alice in Chains) e Jonathan Melvoin (The Smashing Pumpkins) eram usuários da droga e morreram ou por overdose ou por fatores que desencadeavam seus vícios, como as doenças emocionais. O que a estimulante cocaína representava nos anos 80 era socialização, diversão, celebração e energia como um reflexo daquela década que era repleta de pessoas ‘felizes e animadas’, enquanto a heroína representava um refúgio de seus problemas e dores, um casulo para te proteger de um mundo cruel, por isso era tão famosa entre artistas que sofriam de depressão, ansiedade, bipolaridade, etc. Os jovens já não se sentiam representados dentro de uma sociedade que exigia felicidade constante, alta energia que causava exaustão, e roupas que se vendiam graças à modelos e artistas sorridentes montados em esteiras de academia e cobertos de tinta neon.

O fotógrafo Davide Sorrenti era namorado da modelo e atriz Jaime King, e como mencionado anteriormente, ambos eram viciados em heroína e adeptos do estilo Heroin Chic. Duas das imagens mais populares e assustadoras desse período são fotografias feita por Sorrenti que clica Jaime King em P&B espetando uma seringa cheia em seu corpo e rasgando sua calça com uma faca, enquanto exibe uma aparência apática sentada em um imundo sofá. A romantização das drogas e da magreza excessiva estavam começando a alarmar o público mainstream. Aliás, outra característica dessa época era produzir ensaios fotográficos caseiros, com fotos desfocadas e maquiagem desleixada. Os cenários dos tais photoshoots incluíam quase sempre quartos, hotéis, carros e banheiros, todos repletos de pacotes de cigarro, garrafas de bebida, pilhas de roupas jogadas, isqueiros, e parafernálias que mostrassem a bagunça do ambiente num geral. E os looks não eram tão glamurosos como os que as musas do Heroin Chic gostavam de exibir nas saídas dos Night Clubs, e sim roupas rasgadas, manchadas, extremamente largas, e até lingeries. Os pés muitas vezes estavam descalços e imundos, mas não faltava sombra nos olhos e batom nos lábios.

Apesar do polêmico estilo ter criado uma má fama, sendo considerado responsável pelas mortes e overdoses de milhares de jovens, o Heroin Chic só começou a desaparecer quando o então presidente dos EUA, Bill Clinton, deu uma declaração em 1997 de que “a indústria fashion estava há anos fazendo com que o vício parecesse sexy e cool, o que não era saudável“. Esse discurso deu-se a partir da morte do fotografo Davide Sorrenti, 3 meses antes. Durante o documentário biográfico sobre Sorrenti See Know Evil (2018), é possível ouvir mais polêmicas falas do presidente Clinton sobre a indústria da moda. A partir de então, o mundo da moda passou a investir novamente na ideia de que as modelos eram saudáveis, cheias de vida, sensuais, e o principal rosto dessa transformação foi a Supermodel Gisele Bündchen. A modelo recebeu uma matéria da Vogue inteira sobre ela com o título “O Retorno da Modelo Sexy“. Apesar de Gisele ser tão magra quanto todas as outras modelos da década de 90, ela parecia ser um novo rosto por ser uma brasileira (pele bronzeada, seios grandes, e um derrière, como dizem os franceses, mas que nós chamamos de bunda mesmo). A própria Gisele Bündchen admitiu que foi o principal rosto dessa mudança na indústria das passarelas em uma recente participação na conta oficial de youtube da Vogue Britânica (Vogue UK). A supermodel disse o seguinte enquanto revisitava seus mais icônicos looks ao longos dos anos no quadro Life in Looks:

“[…] Eu me lembro de ir à todos esses castings na época e ninguém querer nem olhar o meu portfolio porque estávamos na Era Heroin Chic e eu não me parecia nada com o heroin chic, obviamente […]”

Ainda durante a sua participação no quadro Life in Looks, Gisele também comentou sobre a famosa capa de 1999 da Vogue, que foi estampada por diversas modelos icônicas juntas, inclusive a modelo brasileira bem ao lado de Kate Moss.

“Essa foi uma capa com Kate, Iman, Lauren Hutton, eu. Eu tinha 19 anos, foi muito especial estar lá com aquelas mulheres lindas. Era como se representassem as modelos de cada ano […] Eu era considerada o rosto dos anos 2000, e Kate era dos anos 90.”

O grande ponto de virada foi justamente na transição de uma década para a outra, já que no ano de 2000, Gisele estampou pela primeira vez sozinha, a capa da revista Vogue. O ensaio, que foi fotografado por Irving Penn e roteirizado por Philip Weiss, tinha o título “The Return of the Curves” (O Retorno das Curvas). Sobre esse acontecimento, a modelo Nicole Phelps declarou “A ironia de Gisele ser colocada em uma edição da revista sobre curvas […] É que ela era tão magra quanto as modelos que a antecederam, mas ela era alta, ela tinha seios, ela tinha uma bunda, e isso a tornava suficientemente diferente a ponto de representar a ideia de curvas.”

Mas será mesmo que as rebel girls que eram adeptas ao Heroin Chic deixaram o lifestyle para trás? Será que a sombria era fashion não ganhou novos seguidores?

O Heroin Chic reapareceu na segunda metade dos anos ’00s e perdurou até meados dos 2010s, porém em nenhum momento foi chamado pelo seu verdadeiro nome. A epidemia de heroína já não era grande como na década de 90, mas o estilo desleixado, as fotos caseiras, a maquiagem borrada, os casacos de pele combinados com roupas rasgadas, o consumo de cigarros e bebida, isso foi o que permaneceu como legado do Heroin Chic. Fashionistas como a atriz Lindsay Lohan e as socialites Paris Hilton e Nicole Ritchie passaram a tornar comum o uso de entorpecentes, as DUI’s (dirigir sob o efeito de álcool ou narcóticos), casacos de pele animal contrastando com calças jeans de cintura baixa rasgadas, pacotes de cigarro e copos enormes de café ou bebida energética. Passou a ser rotineiro ver as estrelas teen do momento farreando em baladas até o dia amanhecer e os tabloides eram infestados de fotos das garotas bêbadas, vulneráveis, de ressaca, desarrumadas. O lifestyle delas foi duramente criticado pela mídia da época, mas os amantes de moda e cultura pop estavam obcecados pelos looks e polêmicas que elas entregavam. Esse fascínio do público em querer saber cada vez sobre as vidas pessoais das celebridades, e dos jovens sentirem o desejo de copiar as roupas e modo de vida frenético dos ídolos fashion chegou ao seu pico por volta de 2007, perdurando até meados dos anos 2010’s. Mas foi o estilo Tumblr Girl, por exemplo, um dos responsáveis por atingir garotas e garotos do mundo inteiro, mas dessa vez não foi por meio de revistas e campanhas publicitárias, e sim por meio da internet. Nomes grandiosos de Hollywood ou da cena musical do novo milênio exibiam o que sobrou do estilo Heroin Chic quando fotografadas nas ruas, nas saídas das baladas, em suas fotos caseiras tiradas com câmeras digitais e celulares. Nomes estes como as cantoras Lily Allen e Sky Ferreira, as atrizes e fashion designers MaryKate e Ashley Olsen, e a atriz Kaya Scodelario (que exibia o estilo tanto na vida real quanto nas telas com sua icônica personagem Effy Stonem, na controversa série britânica Skins) são alguns exemplos. E não poderíamos deixar de citar a controversa capa da revista Vanity Fair que trazia a jovem Miley Cyrus em 2008 seminua e exibindo um look apático, pele vampiresca e ossos expostos pela magreza excessiva.

E não podemos deixar de lembrar que foi durante essa mesma época do extremo fascínio pela cultura pop e celebridades ‘trashed que aconteceram os famosos assaltos às mansões de celebridades de Hollywood. Os assaltos eram feitos por um grupo de adolescentes residentes da cidade de Calabasas (Califórnia), que fica ao lado de onde as estrelas da música e do cinema tentam viver uma secreta e quieta vida. A ‘gangue de Hollywood‘ ficou mundialmente conhecida como “The Bling Ring” e foram oficialmente expostos aos tabloides graças à jornalista Nancy Jo Sales que entrevistou um dos membros do grupo, transformando a entrevista no incrível artigoThe Suspects Wore Louboutins” para a revista Vanity Fair em 2011. Esses e muitos outros jovens da época estavam obcecados com a chegada de redes sociais como Twitter, Facebook e Myspace que permitiam acesso à fatos particulares das vidas, até então, secretas das celebs. E também foi graças à essa obsessão com as rebel girls que houve um aumento gigantesco na produção de reality shows em canais de TV norte-americanos como a MTV e o E! Entertainment Television que mostravam o dia a dia de jovens ricas e problemáticas. Um dos maiores exemplos dessa ‘febre’ foi o reality Pretty Wild que seguia a rotina de 3 irmãs adolescentes que desejavam entrar para Hollywood a qualquer custo. Uma dessas garotas era ninguém mais ninguém menos do que Alexis Neiers, uma das mentes por trás dos roubos cometidos pelos Bling Rings (e condenada à seis meses de prisão). Alexis também era usuária de diversos tipos de entorpecentes, o principal deles sendo, vocês adivinharam, a heroína. Mas vamos deixar todos os detalhes polêmicos sobre a gangue de Hollywood para um artigo especial sobre eles.

O estilo foi timidamente tomando forma novamente e fazendo aparições em editoriais de moda, séries e filmes de sucesso, palcos de festivais, e nos primórdios de apps como Tumblr e Instagram. Outras adeptas do estilo desleixado foram a modelo Rosie HuntingtonWhiteley, a frontwoman da banda The Pretty Reckless, Taylor Momsen, e até alguns editoriais de moda aderiram ao ressuscitado estilo, colocando, por exemplo, a modelo e atriz Cara Delevigne como um rosto ‘trashed‘ e rebelde das campanhas.

Em 2016 a Hunger TV definiu um novo conceito para esse Heroin Chic Style contemporâneo que surgiu com a chegada da internet:

“Em 2016, a referência ao heroin chicé um código para: calças jeans rasgadas e roupas oversized, cabelo descolorido, projetos de fotografia de ensino médio, blogs de fãs dedicados à Kate Moss, círculos pretos embaixo dos olhos, banheiras imundas, biografias de Kurt Cobain na mesa de centro da sala, possivelmente ter o álbum Back to Black de Amy Winehouse em vinil, campanhas publicitárias vintage de Calvin Klein, e ser muito, muito fã de Sky Ferreira“.

Podemos observar que o Heroin Chic renasceu mas trouxe consigo apenas a estética trashed, e não necessariamente aquela antiga glamurização da heroína e de outras drogas ilícitas. Os novos adeptos queriam parecer desleixados e drogados sem de fato estarem, apenas pelo aesthetic. Mas será que isso pode ser considerado uma real tendência de moda? Há quem responda que sim, e quem repudie qualquer referência ao estilo desde 1997 com a morte de Davide Sorrenti. Aos que acreditam no Heroin Chic Style como apenas uma estética e um figurino, e não como uma forma de viver e apoiar o uso de drogas, o estilo apresenta apenas o defeito de ser nomeado ‘heroína chic‘, já que expressa a polêmica junção de dois mundos muito distantes: a dependência de drogas e a decadência que o vício causa contrastando com uma vida repleta de dinheiro, glamour e luxo. Nas palavras de Jefferson Hack, co-fundador da famosa mídia de moda e beleza Dazed:

“O mundo da moda tem a responsabilidade de lidar com problemas. Seria muito mais destrutivo se a moda exibisse apenas pessoas sorridentes e felizes. O mundo da moda têm tido que lidar com problemas da vida real desde a década de 80, e a heroína já infiltrou-se em todas as áreas da sociedade. Ignorar isso é perigoso”.

críticos de moda e historiadores que acreditam que o Heroin Chic era muito menos sobre o uso da romantização do vício em drogas como forma de vender roupas, mas muito mais a moda refletindo os sentimentos da população da época. Considerando que as décadas que antecederam os ’90s foram todas construídas a base de capitalismo selvagem, imagens de mulheres impecáveis e pessoas ‘sem defeitos ou problemascontrastando com horríveis acontecimentos históricos como guerras, serial killers à solta e uma assustadora crescente da tecnologia, faz todo o sentido que a última década daquele século refletisse o resultado de toda essa bagunça anterior. No artigo High Fashion, Heroin Chic da Hunger TV, o autor Max Grobbe declara:

“[…] As acusações de que a moda estava conectada ao uso de drogas é infundada? Não. Mas é mais controverso do que o uso de drogas no mundo do esporte competitivo? Na cena musical? No mundo coorporativo? Não. As drogas, sorrateiras como são, podem se infiltrar em qualquer indústria que gere lucros […] A popularidade do estilo heroin chic ao final do século é uma reação à apatia do sucesso do capitalismo e ao tédio que a cultura pop emanava nos grunge anos 90.”

Nós do SXSD não somos a favor da romantização de qualquer entorpecente como forma de se expressar no mundo da moda, mas o debate sobre essa e outras controversas tendências fashion devem existir. E caso sejam uma ameaça à vida dos adeptos e tornem-se uma epidemia, devem ser combatidas. O importante é manter a discussão saudável e ouvir o que profissionais das áreas de moda, cultura e saúde têm a dizer, sempre. E você, já tinha ouvido falar no polêmico Heroin Chic? Tem uma opinião ou um depoimento sobre? Queremos ouvir tudo.

Quer saber mais sobre a relação entre Moda, Arte, Cultura, Música e Bastidores de Hollywood? Acompanhe o SXSD nessa jornada louca e fashion nas redes sociais, clicando aqui embaixo.

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VOCÊ JÁ OUVIU FALAR? – A ORIGEM DO NOME SEXY SADIE

De onde veio o nome que encabeça a nossa comunidade? Como se conecta com a Cultura, a Música e Hollywood?

Para saber mais sobre, vamos voltar no tempo direto para o final dos anos 60 e embarcar numa grande mistura de Moda, Rock’n’Roll, Movimento Hippie , os Beatles, Gurus Espirituais de Celebridades e os Beach Boys.

ORIGEM DO NOME, ROCK’N’ROLL E FALSOS MESSIAS

Após uma decepcionante viagem em grupo à Índia, nosso quarteto favorito de músicos, os Beatles, voltaram para casa enjoados da psicodelia de seus álbuns anteriores, e definitivamente enojados com o comportamento do, até então Guru Espiritual da banda, Maharishi Mahesh Yogi (1917-2008). Como uma espécie de rebeldia ao contrário, John Lennon (1940-1980), George Harrison (1943-2001), Paul Mccartney e Ringo Starr deixaram de lado o uso de entorpecentes psicodélicos e de sons experimentais para retornar com um trunfo mais sóbrio porém certeiro nas mangas como resultado: o aclamado (e quase mítico, por sua raridade) disco The White Album (ou conhecido por muitos de nós como O Álbum Branco).

O disco, que é duplo, conta com diversas críticas à sociedade da época e oferece as sonoridades mais diversas misturadas pelo grupo em um só álbum até então. Mas aqui queremos focar na faixa de número 05 do lado B do álbum: a música Sexy Sadie. A faixa veio como uma crítica de John Lennon ao tal Guru Espiritual Maharishi Mahesh Yogi, que foi, de forma sutil e velada, classificado como um charlatão pelos Beatles. Apesar da crítica, o disfarce dela é vender a música com uma protagonista feminina, a tal Sexy Sadie, que é um ícone, uma tendência que todos do mundo querem passar a seguir. A letra conta pouco sobre a misteriosa mulher, mas deixa claro que todos querem se sentar na mesa com ela, mas na verdade, ela é uma farsa.

CONTROVÉRSIAS, MODA E O SUMMER OF LOVE

Mas como todo bom disco, existe também uma controvérsia causada pelo mesmo. E essa foi uma das maiores do mundo da música. Em 1968, saindo em grande parte da Abbey Road Studios na Inglaterra e chegando direto ao topo das paradas nos Estados Unidos e no mundo, as faixas do The White Album chegaram às mãos de outro Guru Espiritual charlatão (este desconhecido pela banda até então), um homem chamado Charles Manson* (nascido Charles Miles Maddox -1934-2017). A ideia de Gurus ou Guias Espirituais, além das recém chegadas tendências de moda Folk, Bohemian e Hippie nas vitrines das lojas, estava em uma crescente no final da década de 60 em Hollywood, com uma população de todas as idades sentindo-se perdida e buscando por respostas, por um novo lifestyle. Assim surgiu o movimento hippie, na época apelidado de Summer of Love (O Verão do Amor), que pregava o fim das guerras e violência, a paz no mundo, o amor livre e o desapego de bens materiais. Além de contar, é claro, com muito Rock Psicodélico, novos entorpecentes alcançando a população jovem estadunidense (como o LSD, por exemplo), e muita, mas muita crítica social e protestos nas ruas de todo o país (e do mundo).

Aproveitando-se do desejo de esperança e da inocência de um público jovem e majoritariamente feminino, Charles Manson criou o seu próprio ‘culto hippie’, conhecido por nós nos dias atuais como Família Manson, onde ele, “Charlie”, como era carinhosamente chamado, assumia o papel de guru, de um grande guia para as mentes jovens que o cultuavam e o seguiam pelos desertos da California, largando empregos, estudos e bens materiais, fascinados pela ideia de transcender, alcançar o nirvana, e usar e abusar de psicodélicos o verão todo.

Manson não tinha nenhuma mensagem à passar para aqueles jovens, e era uma influência extremamente negativa para eles, além de ser uma figura violenta, egocêntrica e vender uma falsa imagem do mundo. Com a falta de suas próprias palavras, Manson foi ‘tocado’ pelo The White Album assim que o mesmo alcançou as paradas de sucesso, e resolveu então fazer das palavras do quarteto britânico, as suas. E ainda mais grave, encontrar falsos significados por trás de cada faixa dos lados A e B do aclamado disco, delirando que a banda, na verdade, estava falando especificamente com ele por meio de códigos e metáforas. Manson então passou a pregar a sua versão das mensagens dos Beatles, vendendo-se como uma espécie de novo messias.

As faixas do The White Album eram incorporadas o tempo todo na rotina da Família Manson. A faixa que dá nome ao nosso Blog, por exemplo, não escapou da controvérsia e do horror de Charles Manson. Sexy Sadie foi o “novo nome” escolhido por ele para uma de suas mais fiéis seguidoras, a jovem Susan Atkins (1948-2009), que era considerada muito bonita e havia trabalhado como dançarina e stripper previamente em casas noturnas e eventos da igreja satânica (fundada pelo polêmico Anton Lavey) na California dos anos 60. Já a faixa em sequência, Helter Skelter, que originalmente fazia alusão à uma montanha russa na Inglaterra, recebeu um novo e macabro significado na boca de Manson, que usou o nome da faixa como título de uma guerra racial, não existente, entre brancos e negros nos EUA. A tal Helter Skelter deveria terminar com os negros acreditando que saíram vitoriosos, para na verdade, serem ‘derrotados’ pelos membros do culto de Manson (que contava somente com pessoas brancas). Isso aconteceria, segundo Charles Manson, porque assim que a guerra tivesse início, ele e seus seguidores estariam escondidos em uma espécie de abrigo subterrâneo, um oásis que diferia do planeta Terra, já que estando lá, você poderia se transformar no ser mítico que desejasse (fadas, elfos, borboletas, etc). E ao sair do esconderijo paradisíaco que ficava situado abaixo das terras desérticas da California, seriam eles os grandes salvadores da pátria.

O resultado dessa falsa narrativa foi uma série de crimes e assassinatos cometidos pelos membros do culto a mando do próprio ‘guru’, como forma de iniciar a tal Helter Skelter (já que a tal nunca se iniciava e os seguidores de Charlie estavam ficando impacientes), assombrando Hollywood, que entre as sete vítimas contava com a atriz em ascensão e esposa do aclamado diretor de cinema Roman Polanski (Rosemary’s Baby, no Brasil O Bebê de Rosemary), Sharon Tate (1943-1969), para sempre. Tate ficou muito conhecida por atuar no filme Valley of the Dolls (O Vale das Bonecas) de 1967 e por outras menores participações em produções hollywoodianas da época. Com as vítimas desse sangrento crime conhecido como Os Assassinatos Tate-Labianca morria também uma parte de Hollywood e toda a idealização do Summer of Love e do movimento Hippie, que passaram a ser marginalizados pela sociedade conservadora da época.

Mesmo com a polêmica que foi gerada (e ainda é) ao redor da frase Helter Skelter, os Beatles não deixaram de tocar a música em shows. Paul Mccartney, em especial, é muito fã da obra e continua tocando-a lindamente em seus shows solo. Afinal, a música é um clássico atemporal e não possui nenhuma mensagem negativa por trás como Manson fez parecer. Esse foi o começo a ressignificação da narrativa.

Paul Mccartney toca Helter Skelter em sua turnê de 2019 ao lado de Steven Tyler, vocalista da banda Aerosmith.

RESSIGNIFICANDO A NARRATIVA, HEADBANDS, LIBERTAÇÃO SEXUAL, FESTIVAIS DE MÚSICA E ESTAMPAS FLORAIS

Porém, vale ressaltar que Charles Manson e seus seguidores não representam o verdadeiro, e lindo, significado do movimento Hippie. Nos dias atuais estamos constantemente rodeados de maravilhosas lembranças das décadas de 60 e 70, como por exemplo, festivais de música icônicos como o Woodstock Music & Art Fair (Bethel, New York, 1969), moda atemporal (estampas florais muito coloridas, headbands, maxi dresses, coroas de flores, botas de cano alto, maxi sunglasses, jaquetas e coletes de franja, mini saias, cabelos milimetricamente repartidos ao meio, mangas bufantes, calças boca de sino, tranças no cabelo, batas bordadas e sobreposições), de libertação sexual e normalização do corpo nu, e claro, de avanços importantes para os direitos humanos e fim da segregação racial. Toda essa contracultura fashion, inovadora, militante pela paz e considerada rebelde ficou conhecida despretensiosamente como movimento Flower Power (Poder das Flores, em livre tradução).

NOSTALGIA ETERNA, SALAS DE CINEMA, STREAMING DE MÚSICA E FASHION SHOWS

Hoje, temos muito a agradecer à contracultura dos anos 60 e 70 e somos fascinados pela nostalgia que a moda, a música e as imagens da época nos trazem. E todo esse Flower Power ainda está vivo nas produções artísticas contemporâneas.

E Charles Manson e seus seguidores? Sugiro que deixemos que caiam no esquecimento cultural, tornando-se, finalmente, tão medíocres para a história quanto sempre foram.

E a nossa interpretação do significado de Sexy Sadie? Ela é o título de charlatanismo que ilustra falsos Gurus e Messias e que ilustra, talvez, a mais sedutora e perversa charlatã da história: a nossa querida Hollywood.

Vida longa ao Summer of Love, ao Flower Power e claro, ao grande Fashion Icon e artista que foi Sharon Tate.

*Charles Manson e seus seguidores (Susan Atkins, Leslie Van Houten, Patrícia Krenwinkel, Charles ‘Tex’ Watson e Bobby Beausoleil) que tiveram participação direta nos assassinatos Tate-Labianca foram todos condenados à prisão perpétua no estado da California no ano de 1971 e seguem encarcerados até os dias atuais.

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